03/07/2013

Chega de política, me fala dos tons pastéis

Não dá pra mentir, às vezes o mundo parece cinza mesmo. Pra cada coisa que gostamos de fazer surgem outras dez que temos que fazer e a vida parece um filme chato, sem brilho, cheia de obrigações e horários a cumprir. Tem também o meio tempo, aquele que passamos entre uma responsabilidade e outra, a gente se vira como pode, lê um livro no ônibus, joga no celular enquanto a fila não anda, mas é meio difícil ser criativo nessas lacunas. Eu me pego analisando propagandas: em outdoors, revistas, TV...  Analiso o uso das cores, a composição das imagens, as fontes dos textos... por vezes sou cruel nas minhas críticas. Aí lembro que ninguém dá a mínima pra isso e volto pro mundo de verdade. Pois é, cada um usa as ferramentas que tem pra colorir o cinza.

Me pergunto o motivo do cinza ser tão cinza e o eco me devolve um ruído dissonante: "sempre foi assim, você que não viu. É um problema da sociedade". Juro que se encontro com essa sociedade numa esquina qualquer... não, pera. O nublado existe em mim antes de tirar a cor do que existe lá fora. E agora? Não, eu devo estar daltônica, logo agora que o mundo tá verde e amarelo? Pessoas colorem as ruas com cartazes gritando indignações e eu aqui enxergando tudo borrado. Será mesmo?

Em meio às dúvidas, pertinentes ou irônicas, percebo que o cinza ainda está lá, como um rastro de olheiras profundas por baixo de uma camada grossa de maquiagem. Os problemas sociais são tão latentes quanto há duas semanas atrás e vinte centavos a mais no meu bolso não vai resolver isso. Não diminuímos ainda os abismos que nos separam. Ainda há pessoas morando nas ruas, crianças passando fome, balas de verdade rasgando o céu dos pobres, os jornais condenando e executando pessoas antes de seus julgamentos e gente ganhando muito dinheiro pra nos convencer todos os dias de que "a sociedade é assim mesmo, não vai mudar."

                                               Mihail Korubin-Miho

Enquanto as mãos com cartaz colorido em punho não enxergarem o cinza que corrói e descolore tudo em volta, precisaremos de muitas pílulas coloridas pra nos fazer enxergar no mundo a cor que falta em nós.


31/01/2013

Meu templo coletivo itinerante

Pelo menos duas horas por dia, dez horas por semana, quatrocentas e oitenta horas, que somadas resultam em 20 dias inteiros por ano. Esse é o tempo que passo no (já íntimo) ônibus. No caminho de casa para o estágio, da faculdade para casa. O ônibus já faz parte da minha trajetória.

Quando criança, como quase nunca o via, achava o máximo viajar nessa espécie de nave espacial com uma porta especial para crianças, idosos e deficientes e sonhava ser grande o suficiente para atravessar a grade vermelha, que girava para os adultos passarem. O tempo passou e os sentimentos mudaram. Passei a sentir nojo dele e isso nem se dava por qualquer tipo de preconceito pseudo-burguês, mas toda vez que sentia o cheiro de óleo diesel e ouvia o rugido do motor, meu estômago se contorcia a ponto de precisar pedir transferência à uma escola mais próxima de casa.

Hoje o enjoo ainda bate às vezes, mas é principalmente por perceber o descaso das empresas e governo em relação às pessoas que dependem do transporte público, uma vez que quase não há mais um meio “alternativo” para cumprir com seus compromissos. Vê-lo passar é tão raro, que já tive vontade de acenar para o “meu” ônibus indo apenas à padaria. Afinal, nunca sei ao certo quando voltarei a encontrá-lo, pois embora tenha horários extremamente rígidos, em geral não os cumpre.

A verdade é, que uma mágica acontece nesse percurso infindável de todos os dias dentro desse caixote lotado de gente: minha mente viaja. Não tendo mais o que fazer a não ser esperar pelo meu destino, descubro nesse trânsito diversas coisas sobre mim, sobre o mundo e sobre meu modo de ver e existir no mundo. É claro, que por vezes a paciência se esgota, passageiros chatos e falantes surgem de uma esquina qualquer e minha paz de espírito se esvai.

Quando penso, porém, no tamanho das questões mais determinantes que tenho pra solucionar, nas aflições dessa correria que sempre me faz estar atrasada para alguma responsabilidade, o ônibus se torna meu templo itinerante. Mesmo tendo medo do próximo cara estranho que pode entrar num ponto desses, mesmo sabendo que todo mundo acaba disputando uma janela privilegiada (principalmente na ausência de ar-condicionado) e torcendo pra nenhum espaçoso sentar ao meu lado, quando vejo que a inércia é minha única saída, percebo também o quanto Zigmunt Bauman acertou ao dizer que “para sermos capazes de agir livremente, precisamos ter muito mais que livre arbítrio” em sua obra ‘Aprendendo a pensar em sociologia’.

Buscando olhar este quadro de modo mais externo é visível o equívoco em pensar que todo esse processo ocorre apenas pelo fluxo de escolhas minhas de modo plenamente voluntário. O mundo dita as regras e nós a seguimos, conscientes ou não, pois “a liberdade de escolha não garante nossa liberdade de efetivamente atuar sobre estas escolhas, nem assegura a liberdade de atingir os resultados almejados”. Apesar de tudo, vale o risco? Acho que não há muitas opções, né?