Pelo menos duas horas por dia, dez horas por semana, quatrocentas e oitenta horas, que somadas resultam em 20 dias inteiros por ano. Esse é o tempo que passo no (já íntimo) ônibus. No caminho de casa para o estágio, da faculdade para casa. O ônibus já faz parte da minha trajetória.
Quando criança, como quase nunca o via, achava o máximo viajar nessa espécie de nave espacial com uma porta especial para crianças, idosos e deficientes e sonhava ser grande o suficiente para atravessar a grade vermelha, que girava para os adultos passarem. O tempo passou e os sentimentos mudaram. Passei a sentir nojo dele e isso nem se dava por qualquer tipo de preconceito pseudo-burguês, mas toda vez que sentia o cheiro de óleo diesel e ouvia o rugido do motor, meu estômago se contorcia a ponto de precisar pedir transferência à uma escola mais próxima de casa.
Hoje o enjoo ainda bate às vezes, mas é principalmente por perceber o descaso das empresas e governo em relação às pessoas que dependem do transporte público, uma vez que quase não há mais um meio “alternativo” para cumprir com seus compromissos. Vê-lo passar é tão raro, que já tive vontade de acenar para o “meu” ônibus indo apenas à padaria. Afinal, nunca sei ao certo quando voltarei a encontrá-lo, pois embora tenha horários extremamente rígidos, em geral não os cumpre.
A verdade é, que uma mágica acontece nesse percurso infindável de todos os dias dentro desse caixote lotado de gente: minha mente viaja. Não tendo mais o que fazer a não ser esperar pelo meu destino, descubro nesse trânsito diversas coisas sobre mim, sobre o mundo e sobre meu modo de ver e existir no mundo. É claro, que por vezes a paciência se esgota, passageiros chatos e falantes surgem de uma esquina qualquer e minha paz de espírito se esvai.
Quando penso, porém, no tamanho das questões mais determinantes que tenho pra solucionar, nas aflições dessa correria que sempre me faz estar atrasada para alguma responsabilidade, o ônibus se torna meu templo itinerante. Mesmo tendo medo do próximo cara estranho que pode entrar num ponto desses, mesmo sabendo que todo mundo acaba disputando uma janela privilegiada (principalmente na ausência de ar-condicionado) e torcendo pra nenhum espaçoso sentar ao meu lado, quando vejo que a inércia é minha única saída, percebo também o quanto Zigmunt Bauman acertou ao dizer que “para sermos capazes de agir livremente, precisamos ter muito mais que livre arbítrio” em sua obra ‘Aprendendo a pensar em sociologia’.
Buscando olhar este quadro de modo mais externo é visível o equívoco em pensar que todo esse processo ocorre apenas pelo fluxo de escolhas minhas de modo plenamente voluntário. O mundo dita as regras e nós a seguimos, conscientes ou não, pois “a liberdade de escolha não garante nossa liberdade de efetivamente atuar sobre estas escolhas, nem assegura a liberdade de atingir os resultados almejados”. Apesar de tudo, vale o risco? Acho que não há muitas opções, né?
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